domingo, 28 de fevereiro de 2010

Itinerário Quaresmal - II Semana

Segunda Semana: Chamados à montanha


Leituras do 2º Domingo da Quaresma:
Gn 15, 5-12.17-18; Fl 3, 17-4,1; Lc 9, 28b-36
1. O convite desta semana que a Palavra de Deus nos dirige leva-nos à montanha. Chamados a subir a montanha para escutar a Voz. Chamados a subir, levando connosco o deserto e o silêncio. A montanha é na tradição bíblica o lugar do encontro. O lugar da manifestação de Deus. À montanha, dirige-se Abraão para o sacrifício de Isaac. Na montanha (Horeb), Deus fala a Moisés e revela o seu desejo de liberdade para ele e para um povo que haverá de liderar. Na montanha, (Sinai) a vontade de Deus manifesta-se e se expressa em dez Tábuas para que um povo livre não se arrisque nunca mais pelos caminhos da escravidão. Na montanha, Moisés implora tantas vezes a compaixão de Deus para o povo infiel à Aliança. À montanha, Elias – o
profeta - irá subir, para que na brisa suave sinta o frescor de Deus inundar-lhe a alma.
Jesus move-se entre a montanha e a planície. Sabe que no silêncio da montanha irá encontrar a mesma brisa suave que beijou o rosto de Elias. Quer discernir constantemente a vontade Daquele que o enviou a anunciar o Reino. E a profecia do Reino é cantada bem alto no cimo de uma montanha (bem-aventuranças). No monte das Oliveiras, a angústia e o medo da morte serenam após repetidos momentos a sós com o Pai. No monte do Calvário uma Cruz eleva-se ao alto silenciando a voz de Deus que tantas vezes ecoara por sobre a montanha.
Jesus vivia a intimidade com Deus, forjada na intimidade com a montanha. Muitas vezes convida os seus discípulos a fazerem o mesmo. A serem íntimos da montanha. E convida cada um de nós a arriscarmos na mesma subida.
É a proposta do evangelho desta semana. Subir à montanha. Com Jesus.

2. Escuta o Evangelho que a liturgia te propõe: Lc 9, 28b-36.
Naquele tempo, Jesus tomou consigo Pedro, João e Tiago e subiu ao monte, para orar. Enquanto orava, alterou-se o aspecto do seu rosto e as suas vestes ficaram de uma brancura refulgente. Dois homens falavam com Ele: eram Moisés e Elias, que, tendo aparecido em glória, falavam da morte de Jesus, que ia consumar-se em Jerusalém. Pedro e os companheiros estavam a cair de sono; mas, despertando, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com Ele. Quando estes se iam afastando, Pedro disse a Jesus: «Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para
Elias». Não sabia o que estava a dizer. Enquanto assim falava, veio uma nuvem que os cobriu com a sua sombra; e eles ficaram cheios de medo, ao entrarem na nuvem. Da nuvem saiu uma voz, que dizia: «Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O». Quando a voz se fez ouvir, Jesus ficou sozinho. Os discípulos guardaram silêncio e, naqueles dias, a ninguém contaram nada do que tinham visto.

Chamados à Montanha

3. Jesus caminha para Jerusalém. O lugar do sofrimento e da morte. Aos discípulos dissera que o Filho do Homem haveria de sofrer. Eles não compreenderam o sentido e o alcance dessas palavras. Não era isso que esperavam. Partilhavam como qualquer judeu da expectativa de um Messias impondo-se pela força, o sucesso, o triunfo. O Chamados à montanha evangelho do deserto deixara claro que isso não aconteceria (semana passada). O momento é de crise. Os
discípulos estão desorientados face à revelação de Jesus. É neste contexto que Jesus chama os mais íntimos e os faz subir a montanha (a tradição dirá que é o monte Tabor). Para rezar. E enquanto reza transfigura-se diante deles. Podemos imaginar o significado dessa extraordinária experiência de contemplação. O texto faz eco desse espanto. Pedro quer eternizar o momento.

Façamos três tendas. Porque é bom estarmos aqui! O coração pede que a experiência não seja fugaz. Que o sublime não se torne efémero. Querem vestir-se da mesma luz que torna resplandecente Aquele que continuará o caminho até à Cruz. Porque é preciso passar pela Cruz. Aqueles três querem evitar o caminho. Pretendem acampar no final do caminho sem que o sofrimento os visite. Da nuvem (imagem que no antigo testamento remete para a presença de Deus) faz-se ouvir a Voz. Uma voz que desfaz todas as dúvidas e ilusões. A Voz-coração que não oprime a experiência que o coração quer eternizar. A Voz que convida à escuta. O Céu mais uma vez fala palavras meigas: “Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O”! Trata-se de escutar. Confiar. Mesmo que Ele fale de Cruz. A meiguice da Voz ajuda a entender que a escuta do Filho faz a vida e o caminho valerem a pena. Eternizar o Tabor. Tentação que aparece também nas entrelinhas do deserto. Permanecer nos oásis que o deserto proporciona. Beber das experiências que a montanha oferece. Apegar-se aos encontros que aquecem o
coração. Também nós dizemos: que bom estarmos aqui. Fiquemos aqui para sempre. Deslumbrados no alto da montanha.
- Faz memória dos momentos em que a intimidade com Deus te fez aquecer o coração. Recorda situações e percursos pessoais em que “subir à montanha” fez superar os desafios do caminhar.

4. A quaresma repete o convite para subirmos à montanha. Para aquecermos o quotidiano com momentos de intimidade com o coração Daquele que nos chama a contemplarmos o brilho do seu rosto e escutarmos a sua Palavra. Os desertos pessoais e os caminhos do mundo desviam os nossos passos da trilha da montanha. Impõe um caminhar desencontrado e um escutar das mil vozes que sussurram outros tantos sentidos. Mergulhados na azáfama dos dias, a montanha espera-nos. A Voz grita aos nossos corações feridos as mesmas palavras meigas que acalentou os discípulos de Jesus. Muitas vezes sem sucesso.
- Que “vozes” me impedem de escutar o convite para acolher a Palavra definitiva do Filho?

5. Subir à montanha proporciona ao caminhar momentos necessários. Encontrar-se com Deus no silêncio ou no acolhimento sereno da sua Palavra é oásis no deserto. Experimentar o Amor daquele que constantemente nos atrai faz-nos inventar caminhos. A brisa suave que o rosto beija convida a olhar para horizontes sempre novos. É assim que a montanha refaz o seu convite. A desmontar as tendas. A fazer o caminho de regresso. Em silêncio.
“Os discípulos guardaram silêncio e naqueles dias não contaram nada a ninguém”. A experiência do encontro falará por si. O rosto resplandecerá como o de Moisés ao descer o Sinai. Iluminará os desafios da planície onde as mãos se sujam e os pés não se deixam vencer pelo cansaço. Aliviará o peso das cruzes do quotidiano. Encherá o coração de ternura e compaixão para com todos os crucificados. A vida daquele que ousa escutar a Voz perde-se por entre subidas e descidas da montanha. Constantes. Sempre desafiadoras. Umas vezes sublimes. Outras carregadas de desalento. Porém, sempre com o olhar na meta. Com a promessa da luz resplandecente no horizonte. Com a certeza de que no caminho da Cruz um grão de trigo nascerá.

- Como esta quaresma pode proporcionar um encontro pessoal e íntimo com Deus?
- Quais os desafios que se colocam à minha vida de cristão por entre os caminhos da planície?

6. Partilha o teu momento de reflexão com alguém (do teu grupo, família, comunidade).


Subirás à montanha
Escutarás a Voz daquele que te chama
Abrirás o coração à doçura das suas palavras
Farás uma tenda para que o teu coração repouse
E uma outra para aqueles que deixaste na lonjura da planície.

Subirás à montanha
E trarás contigo a vida que pulsa dentro de ti
E o clamor dos que fazem contigo caminho
A dor e a cruz dos que perderam a esperança
O desalento de tantos corações
Que deixaram de acreditar.
Subirás à montanha
E deixarás que o silêncio te cubra
E a brisa suave te beije o rosto.
Descobrirás o fogo para ateares o mundo
E a luz que incendeia qualquer escuridão.
Subirás à montanha
Mas não fugirás de ti nem das dificuldades da subida.
Subirás e descerás ao ritmo dos dias
Para aquecer o coração
Encontrando no mistério do Ser
O sentido de tantas caminhadas.

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