domingo, 28 de fevereiro de 2010

Itinerário Quaresmal - II Semana

Segunda Semana: Chamados à montanha


Leituras do 2º Domingo da Quaresma:
Gn 15, 5-12.17-18; Fl 3, 17-4,1; Lc 9, 28b-36
1. O convite desta semana que a Palavra de Deus nos dirige leva-nos à montanha. Chamados a subir a montanha para escutar a Voz. Chamados a subir, levando connosco o deserto e o silêncio. A montanha é na tradição bíblica o lugar do encontro. O lugar da manifestação de Deus. À montanha, dirige-se Abraão para o sacrifício de Isaac. Na montanha (Horeb), Deus fala a Moisés e revela o seu desejo de liberdade para ele e para um povo que haverá de liderar. Na montanha, (Sinai) a vontade de Deus manifesta-se e se expressa em dez Tábuas para que um povo livre não se arrisque nunca mais pelos caminhos da escravidão. Na montanha, Moisés implora tantas vezes a compaixão de Deus para o povo infiel à Aliança. À montanha, Elias – o
profeta - irá subir, para que na brisa suave sinta o frescor de Deus inundar-lhe a alma.
Jesus move-se entre a montanha e a planície. Sabe que no silêncio da montanha irá encontrar a mesma brisa suave que beijou o rosto de Elias. Quer discernir constantemente a vontade Daquele que o enviou a anunciar o Reino. E a profecia do Reino é cantada bem alto no cimo de uma montanha (bem-aventuranças). No monte das Oliveiras, a angústia e o medo da morte serenam após repetidos momentos a sós com o Pai. No monte do Calvário uma Cruz eleva-se ao alto silenciando a voz de Deus que tantas vezes ecoara por sobre a montanha.
Jesus vivia a intimidade com Deus, forjada na intimidade com a montanha. Muitas vezes convida os seus discípulos a fazerem o mesmo. A serem íntimos da montanha. E convida cada um de nós a arriscarmos na mesma subida.
É a proposta do evangelho desta semana. Subir à montanha. Com Jesus.

2. Escuta o Evangelho que a liturgia te propõe: Lc 9, 28b-36.
Naquele tempo, Jesus tomou consigo Pedro, João e Tiago e subiu ao monte, para orar. Enquanto orava, alterou-se o aspecto do seu rosto e as suas vestes ficaram de uma brancura refulgente. Dois homens falavam com Ele: eram Moisés e Elias, que, tendo aparecido em glória, falavam da morte de Jesus, que ia consumar-se em Jerusalém. Pedro e os companheiros estavam a cair de sono; mas, despertando, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com Ele. Quando estes se iam afastando, Pedro disse a Jesus: «Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para
Elias». Não sabia o que estava a dizer. Enquanto assim falava, veio uma nuvem que os cobriu com a sua sombra; e eles ficaram cheios de medo, ao entrarem na nuvem. Da nuvem saiu uma voz, que dizia: «Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O». Quando a voz se fez ouvir, Jesus ficou sozinho. Os discípulos guardaram silêncio e, naqueles dias, a ninguém contaram nada do que tinham visto.

Chamados à Montanha

3. Jesus caminha para Jerusalém. O lugar do sofrimento e da morte. Aos discípulos dissera que o Filho do Homem haveria de sofrer. Eles não compreenderam o sentido e o alcance dessas palavras. Não era isso que esperavam. Partilhavam como qualquer judeu da expectativa de um Messias impondo-se pela força, o sucesso, o triunfo. O Chamados à montanha evangelho do deserto deixara claro que isso não aconteceria (semana passada). O momento é de crise. Os
discípulos estão desorientados face à revelação de Jesus. É neste contexto que Jesus chama os mais íntimos e os faz subir a montanha (a tradição dirá que é o monte Tabor). Para rezar. E enquanto reza transfigura-se diante deles. Podemos imaginar o significado dessa extraordinária experiência de contemplação. O texto faz eco desse espanto. Pedro quer eternizar o momento.

Façamos três tendas. Porque é bom estarmos aqui! O coração pede que a experiência não seja fugaz. Que o sublime não se torne efémero. Querem vestir-se da mesma luz que torna resplandecente Aquele que continuará o caminho até à Cruz. Porque é preciso passar pela Cruz. Aqueles três querem evitar o caminho. Pretendem acampar no final do caminho sem que o sofrimento os visite. Da nuvem (imagem que no antigo testamento remete para a presença de Deus) faz-se ouvir a Voz. Uma voz que desfaz todas as dúvidas e ilusões. A Voz-coração que não oprime a experiência que o coração quer eternizar. A Voz que convida à escuta. O Céu mais uma vez fala palavras meigas: “Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O”! Trata-se de escutar. Confiar. Mesmo que Ele fale de Cruz. A meiguice da Voz ajuda a entender que a escuta do Filho faz a vida e o caminho valerem a pena. Eternizar o Tabor. Tentação que aparece também nas entrelinhas do deserto. Permanecer nos oásis que o deserto proporciona. Beber das experiências que a montanha oferece. Apegar-se aos encontros que aquecem o
coração. Também nós dizemos: que bom estarmos aqui. Fiquemos aqui para sempre. Deslumbrados no alto da montanha.
- Faz memória dos momentos em que a intimidade com Deus te fez aquecer o coração. Recorda situações e percursos pessoais em que “subir à montanha” fez superar os desafios do caminhar.

4. A quaresma repete o convite para subirmos à montanha. Para aquecermos o quotidiano com momentos de intimidade com o coração Daquele que nos chama a contemplarmos o brilho do seu rosto e escutarmos a sua Palavra. Os desertos pessoais e os caminhos do mundo desviam os nossos passos da trilha da montanha. Impõe um caminhar desencontrado e um escutar das mil vozes que sussurram outros tantos sentidos. Mergulhados na azáfama dos dias, a montanha espera-nos. A Voz grita aos nossos corações feridos as mesmas palavras meigas que acalentou os discípulos de Jesus. Muitas vezes sem sucesso.
- Que “vozes” me impedem de escutar o convite para acolher a Palavra definitiva do Filho?

5. Subir à montanha proporciona ao caminhar momentos necessários. Encontrar-se com Deus no silêncio ou no acolhimento sereno da sua Palavra é oásis no deserto. Experimentar o Amor daquele que constantemente nos atrai faz-nos inventar caminhos. A brisa suave que o rosto beija convida a olhar para horizontes sempre novos. É assim que a montanha refaz o seu convite. A desmontar as tendas. A fazer o caminho de regresso. Em silêncio.
“Os discípulos guardaram silêncio e naqueles dias não contaram nada a ninguém”. A experiência do encontro falará por si. O rosto resplandecerá como o de Moisés ao descer o Sinai. Iluminará os desafios da planície onde as mãos se sujam e os pés não se deixam vencer pelo cansaço. Aliviará o peso das cruzes do quotidiano. Encherá o coração de ternura e compaixão para com todos os crucificados. A vida daquele que ousa escutar a Voz perde-se por entre subidas e descidas da montanha. Constantes. Sempre desafiadoras. Umas vezes sublimes. Outras carregadas de desalento. Porém, sempre com o olhar na meta. Com a promessa da luz resplandecente no horizonte. Com a certeza de que no caminho da Cruz um grão de trigo nascerá.

- Como esta quaresma pode proporcionar um encontro pessoal e íntimo com Deus?
- Quais os desafios que se colocam à minha vida de cristão por entre os caminhos da planície?

6. Partilha o teu momento de reflexão com alguém (do teu grupo, família, comunidade).


Subirás à montanha
Escutarás a Voz daquele que te chama
Abrirás o coração à doçura das suas palavras
Farás uma tenda para que o teu coração repouse
E uma outra para aqueles que deixaste na lonjura da planície.

Subirás à montanha
E trarás contigo a vida que pulsa dentro de ti
E o clamor dos que fazem contigo caminho
A dor e a cruz dos que perderam a esperança
O desalento de tantos corações
Que deixaram de acreditar.
Subirás à montanha
E deixarás que o silêncio te cubra
E a brisa suave te beije o rosto.
Descobrirás o fogo para ateares o mundo
E a luz que incendeia qualquer escuridão.
Subirás à montanha
Mas não fugirás de ti nem das dificuldades da subida.
Subirás e descerás ao ritmo dos dias
Para aquecer o coração
Encontrando no mistério do Ser
O sentido de tantas caminhadas.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Itinerário Quaresmal - I Semana

Caros Amigos!
Iniciamos mais uma caminhada quaresmal. Este tempo litúrgico que nos prepara para a Páscoa faz-nos diversos convites. Convida-nos à oração e ao silêncio interior. À comunhão com o outro – destinatário da nossa partilha e renúncia. Convida-nos a centrar a nossa vida em Deus no meio dos desertos pessoais e dos desafios do quotidiano. Tais convites serão os apelos que a cada semana brotarão da Palavra de Deus.
Para que a tua/nossa quaresma seja carregada de fecundidade e proporcione mais vida interior, propomos-te este itinerário. A cada semana encontrarás um pequeno roteiro que poderás aproveitar para o teu percurso pessoal ou comunitário.
A Palavra dominical far-se-á convite dentro de ti. Escuta os seus apelos. Deixa que ecoe dentro do teu coração e transforme o teu caminhar. Partilha com alguém este itinerário. Faz dele caminho de encontro com a tua família, o teu grupo de amigos, ou o grupo de jovens (ou outro) de que fazes parte.
Votos de uma quaresma onde o silêncio interior te ajude a centrar a tua vida em Deus.

Primeira Semana: Chamados ao deserto

Leituras do 1º Domingo da Quaresma: Dt 26, 4-10; Rm 10, 8-13; Lc 4, 1-13
1. O povo de Deus foi chamado ao deserto. Na aridez do caminhar foi moldando o seu coração. Purificando as suas infidelidades. Deixando-se conduzir pela mão providente de Deus da Aliança. O deserto foi caminho e condição. Caminho para encontrar-se como povo e para chegar ao lugar da Promessa. Condição de caminhar entre desafios e o sonho de ver concretizada a alegria de chegar.
Jesus foi chamado ao deserto. O Espírito conduziu-o ao deserto do discernimento. O lugar onde se tomam as decisões e os confrontos revelam a solidez do acreditar. No coração do silêncio foi tentado. Tentado pelo próprio silêncio. A aridez do deserto quis transformar-se num mar de possibilidades. A secura e a fome prometeram a abundância e o sucesso. O projecto do Reino foi desafiado pela vastidão de um deserto encarcerado dentro de um coração procurando caminhos. E o deserto de Jesus tornou-se condição. E o projecto do Reino encheu de vida o seu e todos os desertos.

2. Escuta o Evangelho que a liturgia te propõe: Lc 4, 1-13.
Naquele tempo, Jesus, cheio do Espírito Santo, retirou-se das margens do rio Jordão. Durante quarenta dias, esteve no deserto, conduzido pelo Espírito, e foi tentado pelo Diabo. Nesses dias não comeu nada e, passado esse tempo, sentiu fome. O Diabo disse-lhe: “Se és Filho de Deus, manda a esta pedra que se transforme em pão”. Jesus respondeu-lhe: “Está escrito: ‘Nem só de pão vive o homem’”. O Diabo levou-o a um lugar alto e mostrou-lhe num instante todos os reinos da terra e disse-lhe: “Eu Te darei todo este poder e a glória destes reinos, porque me foram confiados e os dou a quem eu quiser. Se Te prostrares diante de mim tudo será Teu”. Jesus respondeu-lhe: “Está escrito: ‘Ao Senhor Teu Deus adorarás, só a Ele prestarás culto’”. Então o Diabo levou-O a Jerusalém, colocou-O sobre o pináculo do Templo e disse-lhe: “Se és Filho de Deus, atira-Te daqui para baixo, porque está escrito: ‘Ele dará ordens aos seus Anjos a teu respeito para que Te guardem’; e ainda: ‘Na palma das mãos te levarão para que não tropeces em alguma pedra’”. Jesus respondeu-lhe: “Está mandado: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’”. Então o Diabo, tendo terminado toda a espécie de tentação, retirou-se da presença de Jesus, até certo tempo.

Chamados ao Deserto

Também nós somos chamados ao deserto. A Quaresma apropria-se deste simbolismo para nos propor um caminho de encontro e de aceitação dos nossos desertos. No silêncio ou no confronto rotineiro dos dias o deserto descobre-nos. Somos descobertos pela necessidade de nos encontrarmos connosco próprios. O caminho de encontro com o mais íntimo de nós é singular. Nele se misturam afectos, desejos, temores, desafios, necessidades pessoais. E também o desejo, muitas vezes camuflado de, na busca de se encontrar, encontrar o próprio centro e nele, o Absoluto que nos habita.
A Quaresma confere um rumo ao nosso deserto. Sem um rumo, o deserto é maldição. É travessia sem fim. Aridez a perder de vista. A Quaresma abre-nos os olhos para acolher o deserto que somos e que atravessamos. Atira-nos palavras de sentido para confundir as certezas da nossa travessia. Desmascara a omnipotência de querermos caminhar sem ninguém que nos acompanhe.
Chamados ao deserto e ao silêncio. Para sermos tentados. Como Jesus, somos tentados pelo silêncio e pelo deserto. Tentados pela ganância de tudo possuir. De nada partilhar. Tentados pelo isolamento de não se entregar. Tentados pelo sucesso que mina os nossos relacionamentos e empurra para o vazio do ser. Tentados pelo desejo de afirmarmos um sentido para tudo, onde Deus não tenha lugar.
Procura nesta primeira semana de Quaresma descobrir, acolher o deserto que há em ti. No silêncio ou na azáfama do quotidiano, arrisca no deixar-se encontrar. Deixa-te possuir pelo Amor que faz nascer rios de água viva em todos os desertos.
- Que caminho pessoal e comunitário procurarei fazer ao longo desta Quaresma?

Não há flores no deserto onde tu moras
Nem a água salta por entre as pedras que pisas
Secaram as nascentes da tua vida
E o sem rumo faz-te companhia
Desde que deixaste de acreditar.

Não há flores no deserto onde tu moras
Mas é presente o deserto dentro de ti
Espaço aberto para o viço e o novo
Onde todas as fontes serão torrente

Não há flores no deserto onde tu moras
Mas é convite o deserto dentro de ti
Caminho palmilhado na esperança de chegar
À terra que és e que será nova
Quando o milagre do grão de trigo irromper.

Não há flores no deserto onde tu moras
Mas o deserto é convite, caminho e presente
Dentro de ti.
Do vinho da alegria e da fé.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Mensagem de Bento XVI para a Quaresma 2010

A justiça de Deus está manifestada mediante a fé em Jesus Cristo (cfr Rom 3, 21–22)

Queridos irmãos e irmãs,

Todos os anos, por ocasião da Quaresma, a Igreja convida-nos a uma revisão sincera da nossa vida à luz dos ensinamentos evangélicos. Este ano desejaria propor-vos algumas reflexões sobre o tema vasto da justiça, partindo da afirmação Paulina: A justiça de Deus está manifestada mediante a fé em Jesus Cristo (cfr Rom 3,21–22).

Justiça: “dare cuique suum”

Detenho-me em primeiro lugar sobre o significado da palavra “justiça” que na linguagem comum implica “dar a cada um o que é seu – dare cuique suum”, segundo a conhecida expressão de Ulpiano, jurista romano do século III. Porém, na realidade, tal definição clássica não precisa em que é que consiste aquele “suo” que se deve assegurar a cada um. Aquilo de que o homem mais precisa não lhe pode ser garantido por lei. Para gozar de uma existência em plenitude, precisa de algo mais íntimo que lhe pode ser concedido somente gratuitamente: poderíamos dizer que o homem vive daquele amor que só Deus lhe pode comunicar, tendo-o criado à sua imagem e semelhança. São certamente úteis e necessários os bens materiais – no fim de contas o próprio Jesus se preocupou com a cura dos doentes, em matar a fome das multidões que o seguiam e certamente condena a indiferença que também hoje condena à morte centenas de milhões de seres humanos por falta de alimentos, de água e de medicamentos -, mas a justiça distributiva não restitui ao ser humano todo o “suo” que lhe é devido. Mais do que o pão ele de facto precisa de Deus. Nota Santo Agostinho: se “a justiça é a virtude que distribui a cada um o que é seu… não é justiça do homem aquela que subtrai o homem ao verdadeiro Deus” (De civitate Dei, XIX, 21).

De onde vem a injustiça?

O evangelista Marcos refere as seguintes palavras de Jesus, que se inserem no debate de então acerca do que é puro e impuro: “Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa tornar impuro. Mas o que sai do homem, isso é que o torna impuro. Porque é do interior do coração dos homens, que saem os maus pensamentos” (Mc 7,14-15.20-21). Para além da questão imediata relativa ao alimento, podemos entrever nas reacções dos fariseus uma tentação permanente do homem: individuar a origem do mal numa causa exterior. Muitas das ideologias modernas, a bem ver, têm este pressuposto: visto que a injustiça vem “de fora”, para que reine a justiça é suficiente remover as causas externas que impedem a sua actuação: Esta maneira de pensar - admoesta Jesus – é ingénua e míope. A injustiça, fruto do mal, não tem raízes exclusivamente externas; tem origem no coração do homem, onde se encontram os germes de uma misteriosa conivência com o mal. Reconhece-o com amargura o Salmista: “Eis que eu nasci na culpa, e a minha mãe concebeu-se no pecado” (Sl 51,7). Sim, o homem torna-se frágil por um impulso profundo, que o mortifica na capacidade de entrar em comunhão com o outro. Aberto por natureza ao fluxo livre da partilha, adverte dentro de si uma força de gravidade estranha que o leva a dobrar-se sobre si mesmo, a afirmar-se acima e contra os outros: é o egoísmo, consequência do pecado original. Adão e Eva, seduzidos pela mentira de Satanás, colhendo o fruto misterioso contra a vontade divina, substituíram à lógica de confiar no Amor aquela da suspeita e da competição; à lógica do receber, da espera confiante do Outro, aquela ansiosa do agarrar, do fazer sozinho (cfr Gn 3,1-6) experimentando como resultado uma sensação de inquietação e de incerteza. Como pode o homem libertar-se deste impulso egoísta e abrir-se ao amor?

Justiça e Sedaqah

No coração da sabedoria de Israel encontramos um laço profundo entre fé em Deus que “levanta do pó o indigente (Sl 113,7) e justiça em relação ao próximo. A própria palavra com a qual em hebraico se indica a virtude da justiça, sedaqah, exprime-o bem. De facto sedaqah significa, de um lado a aceitação plena da vontade do Deus de Israel; do outro, equidade em relação ao próximo (cfr Ex 29,12-17), de maneira especial ao pobre, ao estrangeiro, ao órfão e à viúva (cfr Dt 10,18-19). Mas os dois significados estão ligados, porque o dar ao pobre, para o israelita nada mais é senão a retribuição que se deve a Deus, que teve piedade da miséria do seu povo. Não é por acaso que o dom das tábuas da Lei a Moisés, no monte Sinai, se verifica depois da passagem do Mar Vermelho. Isto é, a escuta da Lei, pressupõe a fé no Deus que foi o primeiro a ouvir o lamento do seu povo e desceu para o libertar do poder do Egipto (cfr Ex s,8). Deus está atento ao grito do pobre e em resposta pede para ser ouvido: pede justiça para o pobre (cfr Ecli 4,4-5.8-9), o estrangeiro (cfr Ex 22,20), o escravo (cfr Dt 15,12-18). Para entrar na justiça é portanto necessário sair daquela ilusão de auto-suficiência, daquele estado profundo de fecho, que é a própria origem da injustiça. Por outras palavras, é necessário um “êxodo” mais profundo do que aquele que Deus efectuou com Moisés, uma libertação do coração, que a palavra da Lei, sozinha, é impotente para a realizar. Existe portanto para o homem esperança de justiça?

Cristo, justiça de Deus

O anúncio cristão responde positivamente à sede de justiça do homem, como afirma o apóstolo Paulo na Carta aos Romanos: “ Mas agora, é sem a lei que está manifestada a justiça de Deus… mediante a fé em Jesus Cristo, para todos os crentes. De facto não há distinção, porque todos pecaram e estão privados da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente pela Sua graça, por meio da redenção que se realiza em Jesus Cristo, que Deus apresentou como vítima de propiciação pelo Seu próprio sangue, mediante a fé” (3,21-25)

Qual é portanto a justiça de Cristo? É antes de mais a justiça que vem da graça, onde não é o homem que repara, que cura si mesmo e os outros. O facto de que a “expiação” se verifique no “sangue” de Jesus significa que não são os sacrifícios do homem a libertá-lo do peso das suas culpas, mas o gesto do amor de Deus que se abre até ao extremo, até fazer passar em si “ a maldição” que toca ao homem, para lhe transmitir em troca a “bênção” que toca a Deus (cfr Gal 3,13-14). Mas isto levanta imediatamente uma objecção: que justiça existe lá, onde o justo morre pelo culpado e o culpado recebe em troca a bênção que toca ao justo? Desta maneira, cada um não recebe o contrário do que é “seu”? Na realidade, aqui manifesta-se a justiça divina, profundamente diferente da justiça humana. Deus pagou por nós no seu Filho o preço do resgate, um preço verdadeiramente exorbitante. Perante a justiça da Cruz o homem pode revoltar-se, porque ele põe em evidência que o homem não é um ser autárquico, mas precisa de um Outro para ser plenamente si mesmo. Converter-se a Cristo, acreditar no Evangelho, no fundo significa precisamente isto: sair da ilusão da auto-suficiência para descobrir e aceitar a própria indigência – indigência dos outros e de Deus, exigência do seu perdão e da sua amizade.

Compreende-se então como a fé não é um facto natural, cómodo, óbvio: é necessário humildade para aceitar que se precisa que um Outro me liberte do “meu”, para me dar gratuitamente o “seu”. Isto acontece particularmente nos sacramentos da Penitência e da Eucaristia. Graças à acção de Cristo, nós podemos entrar na justiça “ maior”, que é a do amor (cfr Rom 13,8-10), a justiça de quem se sente em todo o caso sempre mais devedor do que credor, porque recebeu mais do que aquilo que poderia esperar.

Precisamente fortalecido por esta experiência, o cristão é levado a contribuir para a formação de sociedades justas, onde todos recebem o necessário para viver segundo a própria dignidade de homem e onde a justiça é vivificada pelo amor.

Queridos irmãos e irmãs, a Quaresma culmina no Tríduo Pascal, no qual também este ano celebraremos a justiça divina, que é plenitude de caridade, de dom, de salvação. Que este tempo penitencial seja para cada cristão tempo de autêntica conversão e de conhecimento intenso do mistério de Cristo, que veio para realizar a justiça. Com estes sentimentos, a todos concedo de coração, a Bênção Apostólica.

Vaticano, 30 de Outubro de 2009

BENEDICTUS PP. XVI

Quaresma


A Igreja Católica começa a viver esta Quarta-feira o tempo da Quaresma, uma etapa do percurso litúrgico que ao longo de 40 dias propõe uma mudança em profundidade, como forma de preparar a festa maior do Cristianismo, a Páscoa.
A mensagem de Bento XVI para a Quaresma de 2010 convida os cristãos de todo o mundo a “contribuir para a formação de sociedades justas, onde todos recebem o necessário para viver segundo a própria dignidade de homem”. O texto apresenta uma reflexão sobre os conceitos de justiça e injustiça, assinalando que “aquilo de que o homem mais precisa não lhe pode ser garantido por lei”.
A Quaresma é, no Ano Litúrgico, o tempo preparatório da Páscoa, a grande celebração do mistério da Salvação pela morte e ressurreição de Jesus Cristo. Na actual disciplina litúrgica, vai da Quarta-Feira de Cinzas até Quinta-Feira Santa, excluindo a Missa da Ceia do Senhor, que já pertence ao Tríduo Pascal.
Inicialmente durava 3 semanas, mas depois, em Roma, foi alargada a 6 semanas (40 dias), com início no actual I Domingo da Quaresma (na altura denominado Quadragesima die, entenda-se 40.º dia anterior à Páscoa).
O termo Quadragesima (a nossa "Quaresma") passou depois a designar a duração dos 40 dias evocativos do jejum de Jesus no deserto a preparar-se para a vida pública. Como, tradicionalmente, aos Domingos nunca se jejuou, foi necessário acrescentar alguns dias para se perfazerem os 40. Daí a antecipação do início da Quaresma para a Quarta-Feira de Cinzas.
A cinza recorda o que fica da queima ou da corrupção das coisas e das pessoas. Este rito é um dos mais representativos dos sinais e gestos simbólicos do caminho quaresmal.
Nos primeiros tempos da Igreja, durante esse período, estavam na fase final da sua preparação os catecúmenos que, durante a vigília pascal, haveriam de receber o Baptismo. Por volta do século IV, o período quaresmal caracterizava-se como tempo de penitência e renovação interior para toda a Igreja. Tradicionalmente, a Igreja recomenda as práticas da oração, o jejum e a esmola. Na Liturgia, este tempo é marcado por paramentos e vestes roxas, pela omissão do "Glória" e do "Aleluia" na celebração da Missa.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Shalom...43 anos de existência


Anos 60… Em Portugal governava Salazar e, com ele, a ditadura de um regime que não permitia “ajuntamentos”… Em Angola, uma colónia portuguesa, a ditadura também se fazia sentir. Nesse país em guerra os jovens procuravam algo novo… Luís Carlos sentiu isso… Oriundo dos Açores, em Angola trabalhava, estudava, fazia rádio e teatro. Mas, só aos 22 anos se decide pela vida sacerdotal,entrando no seminário, acolhendo com generosidade o chamamento de Cristo.
O Vaticano II imprime à Igreja a aventura de rejuvenescer o seu rosto… e como resposta ao apelo do Concílio e indo ao encontro dos anseios dos jovens que pediam à Igreja um espaço onde pudessem ser cristãos sem deixarem de ser jovens, surge o Movimento.
Tudo começou com uns encontros orientados pelo Luís Carlos. Daí os seus membros se chamarem “Encontristas”. Mas não foi fácil: alguns pais acompanhavam os filhos aos encontros, com medo do que lhes era ensinado… Estas reuniões de jovens não tardaram a ser interpretadas de outra forma e a PIDE mantinha tudo debaixo de olho…
Iam caminhando, conforme lhes era permitido e, em Fevereiro de 1967, no Huambo (Nova Lisboa), Angola, é realizado o primeiro Encontro Inicial. Com este fim-de-semana em conjunto, sempre descobrindo o Cristo Jovem, surgem novas ideias a serem postas em prática. Ideias polémicas, inéditas mas interpeladoras. Ideias que deram nas vistas e que chamaram a atenção sobre os encontros de jovens que se saudavam com a palavra Shalom…
A missa yé-yé, cantada em ritmos hippies e explicada passo a passo, foi uma dessas ideias, que mereceu o melhor e o pior da imprensa da altura e que abanou mentalidades. Outra actividade foi o Grande Encontro, um encontro de uma semana, com o tema “Justiça e Paz para o Terceiro Mundo”, em Benguela, 1973. Uma iniciativa em pleno período de contestação à guerra colonial e que suscitou as maiores suspeitas da polícia política. Muitas mais actividades foram realizadas, outras impedidas de realizar mas… a “Evangelização dos jovens pelos jovens” começa a fazer sentido…

O Movimento Encontros de Jovens Shalom celebra hoje 43 anos de existência.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

2.º Encontro de Equipas Coordenadoras - Balanço

Durante os dias 30 e 31 de Janeiro as equipas coordenadoras dos dois secretariados paroquiais da diocese de Portalegre-Castelo Branco reuniram para avaliar e programar o próximo semestre de trabalho.

Calendário do 2.º semestre:

5, 6 e 7 Fevereiro - Encontro Inicial (Nossa Senhora de Fátima)
7 Fevereiro - Missa Jovem (Nossa Senhora de Fátima)
27 e 28 Fevereiro - Encontro de Crismandos da Sé (Alcaíns)
27 e 28 Fevereiro - 2.ª CID (S. Julião da Barra, Lisboa)

6 Março - Missa Jovem (Sé)
20 e 21 Março - Encontro de Crismandos de Nossa Senhora de Fátima (Gardunha)

10 Abril - Missa Jovem (Nossa Senhora de Fátima)

1 Maio - Missa Jovem (Sé)
8 e 9 Maio - Encontro de Oração
22 e 23 Maio - Convívio Nacional (Braga)
22 Maio - Animação da Eucaristia de Crisma (Sé)
23 Maio - Animação da Eucaristia de Crisma (Sé)

5 Junho - Missa Jovem (Nossa Senhora de Fátima)
5 e 6 Junho - 3.ª CID (Portela, Coimbra)
12 Junho - 3.º Encontro de Equipas Coordenadoras
13 Junho - Convívio Diocesano

3 Julho - Missa Jovem (Nossa Senhora de Fátima)

1 a 7 Agosto - Férias Shalom